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dedicação nos mil dias

Paulo Haruo Kondo

É com muita alegria e satisfação que venho aqui, no mês de aniversário dos 226 anos de Oyassama, poder expressar meu pensamento. 

Recebi a permissão de me tornar condutor em 2010. Desde então, esta é a segunda vez que sou incumbido de fazer a palestra aqui na Sede. Há um ditado que diz: “Deus perdoa os ignorantes”. Assim, da primeira vez, com a minha pouca experiência ou ignorância, confesso que não me preocupei muito com o que escrevi, mas, representei os sentimentos refletidos nas minhas atitudes. Quanto à palestra de hoje, também espero poder refletir esse sentimento. Assim peço alguns minutos da atenção de todos.

Peço a licença de todos para começar contando um pouco da minha vida como um fiel da Tenrikyo.

Nasci em uma família tenrikyana, da Igreja Seiki Brasil. A igreja e eu possuímos quase a mesma idade. Desde pequeno, acompanhava a família nas cerimônias mensais e via a dedicação dos meus pais à igreja. 

O primeiro condutor da Igreja Seiki Brasil, Fusaji Kondo, recebeu os ensinamentos através do primeiro condutor da Igreja São Paulo e do condutor da Igreja Jussara, no navio em que estava a caravana de regresso a Jiba de janeiro de 1954. O senhor Fusaji viajava ao Japão para visitar os familiares, em Kagawa, e, em abril, visitou Jiba. O senhor Fusaji se encantou com os ensinamentos e acabou estendendo a sua viagem por mais seis meses, e assistiu as preleções de Besseki. 

Voltando ao Brasil, formou uma casa de divulgação na cidade de Birigui/SP. Alguns meses depois, dois sobrinhos do senhor Fusaji emigraram para o Brasil (1955): meu pai e o irmão mais velho.

Depois, Fusaji mudou-se de Birigui para São Paulo e morou com o filho mais velho, que veio a retornar (falecer) em 1963, na época da mudança da casa de divulgação para São Paulo. Esse filho possuía profundo conhecimento sobre o ensinamento e tinha um espírito obediente para com os pais.

Meu pai, frequentando a Igreja São Paulo, conheceu a minha mãe e casaram-se. Por esse motivo, conheci a fé de outra família dedicada ao Caminho, a família Takahashi. Adorava as palestras do meu tio, Paulo Takahashi, que era um dos poucos mestres que ministrava o curso de Doutrina de Tenrikyo em português. 

Na igreja, sempre ouvia as palestras dos mestres. Ficava escutando mesmo que fosse na língua japonesa. Via os jovens saindo do recinto pelo fato de não entender a língua japonesa. Ficavam só os mais velhos.

Já faz mais de 13 anos que me tornei condutor de igreja. Durante esse tempo, conciliei trabalho com dedicação ao Caminho e, talvez, tenha dado pouca atenção à maioria dos irmãos da minha igreja. 

Desejo relembrar três episódios da Vida de Oyassama que fazem bastante sentido para mim como propósito para a dedicação nestes três anos, mil dias.

Primeiro: Pensar unicamente no próximo, “irrigando a lavoura dos outros.” Episódio - 122 Se houver virtude:

No verão de 1883, toda a região de Yamato foi assolada por uma grande seca. Issaburo Massui ainda era lavrador na vila de Izu-Shitijo; entretanto, passava dias seguidos na Residência, ajudando na lavoura. Então, uma pessoa de sua casa veio chamá-lo: “A vila está ocupadíssima em irrigar o arrozal. Todos estão trabalhando e reclamando que o Issaburo nem aparece. Gostaria que voltasse nem que fosse para dar uma satisfação.”

Como Issaburo já não se importava com o seu arrozal, respondeu simplesmente que, apesar de tudo, não podia voltar, e dispensou o mensageiro. No entanto, pensou: “É gratificante poder colocar mesmo que seja um pouco de água na lavoura da Residência nesta grande seca e estou satisfeito com isso, mas é imperdoável descontentar os vizinhos.” E reconsiderando, decidiu voltar pelo menos uma vez. Ao despedir-se de Oyassama recebeu as seguintes palavras: “Embora não chova, se houver virtude, farei subir a umidade.”

Ao voltar, encontrou a vila agitada, com todos empenhados em retirar a água dos poços da baixada, dia e noite. Issaburo foi ao arrozal com a esposa Ossame e carregou a água até altas horas da noite, irrigando apenas a lavoura alheia.

Ossame misturou a água recebida da poça próxima ao Pedestal do Néctar (Kanrodai) com a de sua casa e respingou com ramos de arroz em redor da sua lavoura, duas vezes por dia, uma de manhã e outra de tarde.

Alguns dias depois, ao verificar antes do alvorecer o seu arrozal, Ossame encontrou-o milagrosamente umedecido com água brotada da terra. Lembrou as palavras de Oyassama e ficou profundamente impressionada pela sua exatidão.

No outono, toda a vila teve má colheita; porém, a família Massui teve a graça de obter uma excelente produção de arroz.

Sobre este trecho, o primaz anterior explicou em seu livro “Palestras sobre os Episódios da Vida de Oyassama”: ‘Embora não chova, se houver virtude, farei subir a umidade’ significa que a sinceridade deverá corresponder a Deus. O sentimento de Issaburo, que pensou unicamente no próximo, é sinceridade. Segundo consta, a colheita foi de quase 300 quilos de arroz para cada 1.000 metros quadrados.

Segundo: “Salvar o próximo é salvar a si mesmo”. 

Não deve se preocupar consigo mesmo. Deve se esforçar em transmitir o ensinamento sem “ruídos”.

Até hoje, em particular, vendo a atitude dos seguidores que frequentam a minha igreja, quem está mais tempo quase sempre tem uma opinião formada sobre tudo e, quando chega uma pessoa nova, por vezes, são as primeiras a dar algumas orientações sobre o ensinamento que às vezes está misturado com as manias ou costumes da cultura e das próprias cogitações humanas. 

Oyassama dizia que haveria problemas de interpretação se não houvesse a correta transmissão do ensinamento. Por isso, esclareceu sobre a necessidade de a própria pessoa ouvir a explanação da boca dela. A experiência de uma pessoa pode não ser a mesma para outra pessoa. 

Por exemplo, fazendo uma analogia com o campo da engenharia. Conhecemos a transmissão de rádio, televisão e internet. Essas transmissões são possíveis graças à tecnologia da eletricidade. A transmissão dos sinais é feita por ondas eletromagnéticas que se propagam pelo ar ou através de cabos elétricos ou óticos. Nesse sistema, temos os aparelhos receptores, como por exemplo a TV. Entre a antena que transmite um programa e a TV, temos vários obstáculos físicos e interferências de sinais, como os emitidos pelos celulares, que atrapalham a transmissão. Assim, o sinal que chega à nossa TV está “cheia” de ruídos, prejudicando a qualidade da imagem e do som. 

Analogamente, para termos uma correta compreensão do ensinamento, temos que recorrer aos estudos dos textos originais. A presença de Oyassama se faz sentir diretamente nos textos originais e devemos estudar juntamente com os mestres para minimizarmos os “ruídos” na informação recebida. 

Assim, temos o seguinte episódio: 167 - Se salvar o próximo

Em 1° de setembro de 1885, Kimi, a filha mais velha de Hyoshiro Kami, então com 13 anos de idade, ficou repentinamente quase cega. Em 7 de outubro do mesmo ano, Hyoshiro recebeu a orientação divina, perdendo a visão. Assim, enviou a esposa Tsune a Jiba em seu lugar, no dia 1° de novembro, quando Oyassama disse:

“Sobre estes olhos, a sua condição não é nada séria. Deus está apertando-os um pouco com o dedo. Estar apertando significa que Deus está começando uma prova com uma orientação.”

Em seguida, explicou: “A transmissão da palavra por alguém é transmissão da palavra por alguém. A solicitação a alguém é solicitação a alguém. Se passar pela boca de uma pessoa, é de uma pessoa. Se passar por duas pessoas, são de duas pessoas. Passando pela boca de alguém, o assunto se distorcerá. Havendo distorção, ocorrerá o erro. Na parte em que ocorrer o erro, nada se poderá fazer. Assim sendo, é bom que venha a própria pessoa que lhe explicarei bem.”

Tsune voltou para casa e transmitiu estas palavras a Hyoshiro, que concordou profundamente emocionado. Assim, partindo de Kassama na manhã do dia 3 e caminhando mais de 16 quilômetros, conduzido pela esposa e apoiado numa bengala, regressou à Residência onde Oyassama, começou dizendo “ouçam bem”, e contou-lhes a história da criação original por cerca de duas horas. A intensidade de sua voz nessa ocasião era tanta que tudo ao redor chegou a tremer. Mal terminada a explanação, Hyoshiro deu conta de si, e sem que tivesse percebido quando e como, estava enxergando. Voltando para casa, a filha Kimi também tinha recebido a esplêndida graça. 

Entretanto, os olhos de Hyoshiro ainda ficavam embaçados, sem poder enxergar nada que estivesse longe, até mais ou menos 8 horas da manhã. Por mais que refletisse, como não alcançava maior graça, regressou outra vez a Jiba em janeiro do ano seguinte e, ao consultar Oyassama, foi-lhe explicado: “Isto significa que a orientação terminou, mas a prova não. A prova é salvar o próximo para salvar a si mesmo. Não deve se preocupar com seu próprio estado físico. Se reformar o espírito desejando sinceramente salvar o próximo, a sua própria doença será curada.”

A partir de então, esforçando-se com todo fervor à causa da salvação, foi também completamente salvo.

Terceiro: Este caminho não é para ser seguido vendo as atitudes das pessoas.

Lembrando de fato pessoal, certa ocasião, acho que estava terminando o ensino médio, e havia os preparativos para a apresentação de teatro do Shonenkai da regional. Discutíamos como seria feito o cenário do teatro. Eu era a favor de fazer apenas um pano de fundo. Mas devo ter expressado mal o meu pensamento e uma outra pessoa, então, disse que eu fizesse sozinho. Pintei o pano de fundo sozinho. Até hoje, sinto-me arrependido de não ter sido evoluído o suficiente para promover uma conversa amistosa, com empatia, e fiquei sentindo que deveria melhorar esse ponto. Recentemente, percebo que ainda preciso melhorar esse ponto. Creio que ainda tenho esses traços de personalidade explosiva, e é muito difícil desfazer-se dessa poeira. “Então não venho mais, faça sozinho” - é a pura providência do corte! Tento evitar esse tipo de situação e fazendo o possível para melhorar/polir minhas atitudes. 

Sobre esse tema, recorro ao episódio 123 - O homem é a meta?

Oyassama ensinou a Shirobee Umetani, recém-iniciado na fé: “Torne o seu espírito amável, salve o próximo e mude os seus maus hábitos e o temperamento.”

Na verdade, ele era impaciente por natureza.

Em 1883, Shirobee estava fazendo hinokishin do revestimento da parede da Casa de Repouso de Oyassama, que estava em construção, quando ouviu comentários: “Um pedreiro passando fome em Osaka teve que vir trabalhar em Yamato.” Muito revoltado, arrumou seus pertences para voltar a Osaka, no meio da noite. Quando saía silenciosamente pela Casa-Portão Centro-Sul, ouviu uma tosse e sentiu a presença de Oyassama. Seus pés pararam e a raiva desapareceu completamente.

Na manhã seguinte, quando Shirobee fazia a sua a refeição em companhia das pessoas da Residência, Oyassama aproximou-se e disse-lhe: “Shirobee, o homem é a meta ou Deus é a meta? Deus é a meta.”

No mesmo livro, o primaz anterior comenta: “A frase: “Shirobee, o homem é a meta ou Deus é a meta? Deus é a meta”, significa que este Caminho não é para ser seguido vendo as atitudes das pessoas, mas ter como ponto central da fé o ensinamento de Deus-Parens. Nos Hinos Sagrados, Hino IV-1 tem-se: “O que quer que os outros digam, acalmem o espírito, Deus está vendo.””

Mudando de assunto. Em agosto do ano passado, solicitei demissão do trabalho e, agora, estou em dedicação única ao Caminho. 

Se não fosse o incentivo dos três anos, mil dias, talvez eu não tivesse aderido à demissão voluntária da empresa, que ocorreu em dezembro de 2021, e tinha um prazo para tomar a decisão. Posteriormente, lendo o livro do professor Murakami, ele relata: 

“É por essa razão que recomendo que você saia da rotina de vez em quando, exponha-se a outros ambientes e conheça outras pessoas. (...) Mudanças de ambiente podem levá-lo a ver coisas de uma forma diferente e promover mudanças em sua vida.”

No ambiente de trabalho, embora a rotina seja uma maneira de fazer melhor o serviço, como na atividade de condutor de igreja, devemos ter o cuidado de não nos acomodar. 

Ao fazer a opção de tentar me dedicar mais ao Caminho, surpreendentemente, algumas coisas começaram a mudar. Pensei, “seja o que Deus quiser pois penso ser este o melhor momento de mudar”. O fato é que não temos como saber se a opção tomada é certa. Há alguns sinais... 

Assim, Oyassama está me dizendo para aproveitar a época de dedicação, pois ela aceita esses três anos de dedicação como os 50 anos da vida-modelo. 

Abrindo o caminho, Oyassama nos dá um empurrãozinho, esperando que trabalhemos com mais afinco e dedicação. O que Oyassama espera de mim desde agosto do ano passado? Pessoalmente, acho que sei a resposta. Agradeço do fundo do coração a oportunidade. Muito grato pela atenção.

*é condutor da Igreja Seiki Brasil