Luciana Mie Ukei
Em tempos de festas de final de ano, a alegria e a animação dominam os lares. Nossas mentes e corações se enchem com planejamentos, calendários, presentes, alimentos, bebidas, arrumações e as tão esperadas férias escolares. Em meio a toda essa efervescência de tradições e cultura, somos convidados a uma pausa reflexiva sobre a sabedoria que nos guia, especialmente à luz dos ensinamentos de Oyassama e da fé da Tenrikyo.
Neste ambiente de festividade e expectativa, introduzo uma imagem simples, mas profundamente instrutiva, da infância: o brinquedo de encaixe para bebês. Haverá alguém aqui que nunca tenha visto aqueles brinquedos pedagógicos, de cores vibrantes como azul, amarelo e vermelho, onde a criança deve encaixar nas aberturas as formas geométricas correspondentes?
Observamos pais, tios e educadores se unindo na torcida, ansiosos para que os pequenos consigam colocar o quadrado no recorte quadrado, o triângulo no triângulo, o círculo no círculo. Ah, e aí vem a alegria dos adultos a cada acerto! É um momento de júbilo genuíno, pois, mais que uma simples conquista, é uma verdadeira vitória para a criança e para quem a observa, ensinando uma lição fundamental que perdurará por toda a vida: a de que cada coisa tem o seu lugar certo e que o esforço para encontrar a harmonia é recompensado. Este é um brinquedo que se vê muito em casas com pequeninos, um símbolo de aprendizado e ordem.
No entanto, nesta alegria e na celebração da vida, introduzo uma problemática que acompanha a humanidade, inseparavelmente, e que se tornou uma questão central para o nosso tempo: a geração de lixo e resíduos.
Na Instrução I, de 1998, o Shimbashira IV fez um alerta que é mais relevante hoje do que nunca: “No mundo, os conflitos não cessam ainda, as ambições insaciáveis ameaçam o meio ambiente, que é a fonte da vida, e podem cessar o futuro da humanidade.”
Essa Instrução não é apenas uma preocupação ecológica; ela nos convoca, como seguidores do Caminho, a uma profunda reflexão e a um reexame urgente de nossas atitudes em relação ao planeta.
E, por que isso é tão vital na nossa fé? Porque a Terra, o nosso lar é a fonte de toda a vida. Conforme o ensinamento de Oyassama: “Este mundo é corpo de Deus”.
Como estamos cuidando da nossa morada, da morada de Deus?
Se colocarmos no palco o lixo e os resíduos, é evidente que, ao longo das últimas décadas, este assunto se tornou um grave poluente ambiental, um reflexo material e visível das ‘ambições insaciáveis’ que o Shimbashira mencionou; uma consequência da falha humana em reconhecer o valor sagrado de toda a criação de Deus-Parens.
É neste ponto crucial que a simples lição do brinquedo de encaixe das crianças encontra sua aplicação mais madura e urgente para nós, adultos e seguidores do Caminho: a necessidade de colocar o lixo no local correto.
Se uma criança, ao ver a peça em forma de quadrado, se esforça instintivamente para colocá-la no recorte quadrado, buscando o ajuste perfeito, por que nós, adultos, muitas vezes falhamos em um desafio que é, em essência, tão elementar quanto: separar o lixo orgânico do reciclável; destinar o plástico, o vidro e o papel para a coleta seletiva correta; ou garantir que pilhas e baterias, altamente contaminantes, tenham um descarte apropriado e não o lixo comum?
A alegria que sentimos quando a criança acerta o encaixe deveria ser a mesma satisfação – ou até maior – que deveríamos ter ao cumprir a nossa responsabilidade mais básica como zeladores deste planeta Terra.
Cada vez que separamos um material, estamos, simbolicamente, ajustando a peça certa no lugar correto do corpo de Deus, alinhando a nossa ação com a Sua vontade e promovendo a harmonia do ambiente em que fomos criados. Essa é a nossa versão do ‘encaixe perfeito’, uma manifestação da nossa maturidade espiritual.
A vida-modelo de Oyassama é, neste contexto, a maior inspiração para esta atitude de respeito e cuidado. Na época de Oyassama, a questão ambiental não existia com a gravidade de hoje, mas a Nossa-Mãe não tratava nenhum pedaço de papel com descuido, nem mesmo um rascunho. Ela o guardava cuidadosamente, seja no bolso ou debaixo de sua almofada.
Essa atitude vai muito além da simples reciclagem moderna. Oyassama nos ensina sobre o respeito profundo e a gratidão por todas as coisas, por menores que sejam, pois tudo é parte da criação de Deus.
Não se trata de uma obrigação imposta, mas de um princípio muito mais elevado: o princípio do ‘Cuidado da Criação’, uma expressão do hinokishin em nossa vida diária. Cada ato consciente de cuidado com o que descartamos é um ato de gratidão ao Corpo de Deus e de cooperação na Sua Obra, um esforço para realizar a Vida de Alegria.
Assim como as crianças sentem o júbilo com o encaixe que resulta em ordem, que nós possamos sentir a satisfação e a alegria verdadeira em acertar o encaixe correto de nossos resíduos, demonstrando a nossa verdadeira maturidade de fé e a nossa sincera intenção de seguir o Caminho. Que esta simples lição do brinquedo de encaixe nos guie a um ano novo mais consciente, mais responsável e mais harmonioso para com a nossa casa, o Corpo de Deus, e para com todos os nossos irmãos no mundo.
*é diretora da Associação Infantojuvenil e esposa do condutor da Igreja Novo Horizonte.